sábado, 26 de fevereiro de 2022

Drive my car, de Murakami

Terminei de ler o conto Drive my car, de Haruki Murakami e que acabou de virar filme oscarizável.

Está no livro Homens sem mulheres.

Depois de assistir à peça O desaparecimento do elefante fui lá e comprei vários livros dele. 

Li Sono, vários contos e um romance do qual me esqueci o título. 

A peça me enganou. 

Acho Murakami chato. Falta-lhe a intensidade dramática dos latino-americanos para que eu o queira bem. Mas no Brasil, ele se tornou popular, aclimatou-se  bem, é amado e saboreado como sushi com cream-cheese ou, como lhe acusa a milenar critica japonesa: americanizado demais para ser tragável. 

Para os jovens-japas, soube que Murakami é pop, e o pop é tudo.

Tudo me parece linear, sem arroubo, com personagens à primeira vista interessantes, mas que depois se revelam sorumbáticos, sombras pálidas, tofu, água de arroz. Me parecem sempre reativos, algo anteriormente ocorreu, os impactou e o que se narra é o efeito disso na vida dos personagens. Aquela coisa da pedra lançada no lago. Murakami se concentra nas ondulações. Mas para mim, ele só consegue ficar na superfície.

Em Drive my car (o conto), um ator de prestígio (mas nada popular), provoca um acidente de carro após um pilequinho. Diagnosticado com um ponto cego no olho (princípio de um glaucoma), tem que admitir (por dever contratual) um chofér para levá-lo ao teatro onde encena Tio Vania. Estranha, pouco atraente e nascida no interior, assume o posto uma moça de 20 anos (idade que teria a filha do ator, falecida ainda na maternidade). Discreta, taciturna e ótima motorista, cai nas graças do sujeito a quem só desagrada o fato de ser fumante.

Nas andanças por Tóquio, ambos estabelecem uma relação inicialmente distante, mas pontuada de conversas cada vez mais pessoais. O ator cinquentão é recém-viúvo de uma bela e famosa atriz que morreu de câncer, logo somos informados de que ela o traiu diversas vezes com anódinos companheiros de cena. Ele sempre soube, mas nunca a confrontou. 

O ator estabelece amizade com o último amante da esposa para tentar desvendar o porquê da infidelidade, já que ele e a esposa tinham intimidade, companheirismo e uma vida sexual ativa. Isso tudo é confidenciado à motorista, que em contrapartida, conta-lhe do abandono do pai aos 8, do desprezo da mãe (que atribuía à feiúra da filha a partida do marido); mãe que, para alívio confesso da moça, morreu bêbada num acidente de trânsito.

Na conversa final, a moça revela ter lido Tio Vania de Tchecov para ter o sentido completo das falas que o ator ensaiava com fita cassete no carro. Ele confessa ter cogitado vingar-se do rival, embebedava-o nos bares para achar um "ponto cego" em sua biografia (para desgraçar sua vida). Mas desistiu, pois todo ciúmes (e mesmo o despeito de ser traído com um sujeito medíocre, divorciado e cuja ambição era ter a guarda do filho), deixou de fazer sentido. A motorista sugere que traí-lo com medíocres talvez fosse uma forma de distração da esposa (pelo trauma da perda do bebê?), mas que saber o que pensava sua mulher era impossivel.

O conto encerra com as dores diluídas e a cumplicidade quase paternal-filial entre ambos.

É essa linha narrativa de Murakami, quase sempre fundamentada em relações desvitalizadas, anticlimáticas (para não dizer "broxantes") e o que me faz ter preguiça do autor. Além da falta de "punch" (força/pegada/energia/tesão), há essa escrita paupérrima estilisticamente, algo que pode até ter refinamento em Japonês, mas que se perde na tradução. 

Então de repente me vem à mente que essa contenção dramática seja uma chave do espírito nipônico, uma forma de ver o mundo, que talvez seja interessante eu acessar, como aquela praticidade narrativa dos escritos americanos, a exuberância dos latinos,  a engenhosidade verbal dos franceses e entremezzos filosofantes/humanistas dos russos. 

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