CASO, UMA
FORMA SIMPLES
No Caso,
a forma resulta de um padrão usado para avaliar ações, mas a
questão contida em sua realização influi sobre essa norma. Pesa-se
a existência, a validade e a extensão de diversas normas e essa
pesagem contém uma pergunta: onde estão o peso e a norma
necessárias à avaliação? (p.159)
A forma
do Caso tem a particularidade de formular a pergunta sem poder
dar-lhe resposta; de nos impor a obrigação de decidir sem conter
ela mesma a decisão: é o lugar onde faz a pesagem, mas não se
indica o resultado. O instrumento com dois pratos é a bi/lanx
latina, a bilancia, a balança (em português), donde os alemães
derivaram o verbo balancieren, que significa “caminhar em
equilíbrio”, “tentar manter o equilíbrio”. Existem no Caso
todos os atrativos e todos os perigos desse equilivrismo e , para
empregar uma expressão alemã, diríamos que tal forma é o lugar
onde se realizam o balanço e a oscilação da disposição mental
que pesa e pondera. 160
(…)
Um
universo - em que a existência se desenrola como realidade que pode
ser julgada e avaliada segundo normas - deve, forçosamente, a cada
momento, produzir Caos. Por isso, uma grande parte de Casos que ainda
hoje circulam e continuam sendo parcialmente reconhecíveis, apesar
do seu caráter fechado, são de origem indiana. (p.161)
CASO I
Um ladrão
rouba a minha carteira na multidão de uma metrópole. Encontra cem
marcos em notas pequenas e reparte-os com sua amiga, a quem conta o
excelente golpe. Se forem apanhados, a amiga será punida na
qualidade de receptadora de furto. Suponhamos agora que ele tivesse
encontrado na carteira apenas uma nota de cem marcos; se a trocar e
der cinquenta marcos à mulher, esta não será processada. A
receptação, de fato, só é possível se disser respeito às coisas
obtidas diretmente por um ato culposo e não pelo valor monetário
dessas notas. (Balder: Farsa e Tragédia no Direito Penal na
Alemanha, 1928).
Este caso
remete-nos a dois parágrafos do Código Penal Alemão:
§242
assim reza: “Todo indivíduo que tenha subtraído a outrem um bem
móvel, na intenção de apropriar-se ilegalmente do mesmo, será
acusado de roubo e punido com prisão...”
§259:
“Todo indivíduo que tenha dissimulado, comprado, recebido em
penhor ou tomado para si de qualquer modo, ou ainda ajudado a
revender a um terceiro, para daí tirar proveito, bens que sabe ou
deve supor, segundo as circunstâncias, terem sido obtidos por um ato
punível, será acusado de receptação e punido com prisão...”
CASO II
Um atriz
acaba de visitar, com seu sorriso mais encantador, uma colega que
deve decorar o mais depressa possível um novo papel para o dia
seguinte. Tendo ficado só por alguns instantes, aproveita habilmente
a ocasição para esconder o manuscrito atrás de um armário. A
colega busca-o, desesperada, não encontra o seu texto, não pode
estudá-lo, portanto; tem um estrondoso fracasso e perde seu
contrato. A sua rival não está sujeita a qualquer pena da lei.
Em certas
circunstâncias, baixezas e vilanias inomináveis ficam e ficarão
impunes, pelo fato de não violarem qualquer lei. Vemos portanto a
insuficiência da lei em extensão e em validade: uma ação que
acarreta grave prejuízo a outrem não pode, embora comedida com
premeditação e após madura reflexão, ser entendida como tal,
segundo as normas inscritas no Código Penal. Toda gente sabe que foi
cometido um delito, no próprio sentido do Código, e esse ato,
entretanto, não é punível. (p.156)
As normas
da Lógica também geram o Caso, desde a Antiguidade. É o Caso que
realiza o sofisma trágico chamado do crocodilo.
CASO III
Tendo um
crocodilo arrebatado uma criança, promete devolvê-la à mãe se
esta lhe disser verdadeiramente o que ele pretende fazer. A mãe diz:
Tu não me entregarás o meu filho. E o crocodilo responde: “Não
terás a criança em qualquer dos casos, ou por causa das tuas
palavras, se falaste verdade, ou por causa do seu acordo, se
mentiste.” E a mulher replica: “Devo ter de volta o meu filho em
ambos os casos: ou por causa do nosso acordo, se falei verdade, ou
por causa das minhas palavras, se me enganei”. (p.162)
Caso é
um objeto suscetível de ser avaliado e julgado segundo normas; nesta
disposição mental. divergencia e dispersão das normas, compromisso
com real. Em termos práticos, em virtude dos aditamentos que lhe
aumentam a força do impacto, o nosso Caso já se avizinha bastante
de uma forma artística a que chamamos Novela, a qual mostra o
acontecimento impressionante em sua unicidade, mas per se e sem
querer fazer dele um caso. (p. 153)
Formas
Simples: legenda, saga, mito, advinha, ditado, caso, memorável,
conto e chiste. André Jolles, Editora Cultrix, SP. 1976.
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