domingo, 16 de julho de 2017

CASO, forma simples (expressão literária do Direito)

CASO, UMA FORMA SIMPLES


No Caso, a forma resulta de um padrão usado para avaliar ações, mas a questão contida em sua realização influi sobre essa norma. Pesa-se a existência, a validade e a extensão de diversas normas e essa pesagem contém uma pergunta: onde estão o peso e a norma necessárias à avaliação? (p.159)

A forma do Caso tem a particularidade de formular a pergunta sem poder dar-lhe resposta; de nos impor a obrigação de decidir sem conter ela mesma a decisão: é o lugar onde faz a pesagem, mas não se indica o resultado. O instrumento com dois pratos é a bi/lanx latina, a bilancia, a balança (em português), donde os alemães derivaram o verbo balancieren, que significa “caminhar em equilíbrio”, “tentar manter o equilíbrio”. Existem no Caso todos os atrativos e todos os perigos desse equilivrismo e , para empregar uma expressão alemã, diríamos que tal forma é o lugar onde se realizam o balanço e a oscilação da disposição mental que pesa e pondera. 160

(…)

Um universo - em que a existência se desenrola como realidade que pode ser julgada e avaliada segundo normas - deve, forçosamente, a cada momento, produzir Caos. Por isso, uma grande parte de Casos que ainda hoje circulam e continuam sendo parcialmente reconhecíveis, apesar do seu caráter fechado, são de origem indiana. (p.161)


CASO I

Um ladrão rouba a minha carteira na multidão de uma metrópole. Encontra cem marcos em notas pequenas e reparte-os com sua amiga, a quem conta o excelente golpe. Se forem apanhados, a amiga será punida na qualidade de receptadora de furto. Suponhamos agora que ele tivesse encontrado na carteira apenas uma nota de cem marcos; se a trocar e der cinquenta marcos à mulher, esta não será processada. A receptação, de fato, só é possível se disser respeito às coisas obtidas diretmente por um ato culposo e não pelo valor monetário dessas notas. (Balder: Farsa e Tragédia no Direito Penal na Alemanha, 1928).

Este caso remete-nos a dois parágrafos do Código Penal Alemão:

§242 assim reza: “Todo indivíduo que tenha subtraído a outrem um bem móvel, na intenção de apropriar-se ilegalmente do mesmo, será acusado de roubo e punido com prisão...”
§259: “Todo indivíduo que tenha dissimulado, comprado, recebido em penhor ou tomado para si de qualquer modo, ou ainda ajudado a revender a um terceiro, para daí tirar proveito, bens que sabe ou deve supor, segundo as circunstâncias, terem sido obtidos por um ato punível, será acusado de receptação e punido com prisão...”


CASO II

Um atriz acaba de visitar, com seu sorriso mais encantador, uma colega que deve decorar o mais depressa possível um novo papel para o dia seguinte. Tendo ficado só por alguns instantes, aproveita habilmente a ocasição para esconder o manuscrito atrás de um armário. A colega busca-o, desesperada, não encontra o seu texto, não pode estudá-lo, portanto; tem um estrondoso fracasso e perde seu contrato. A sua rival não está sujeita a qualquer pena da lei.

Em certas circunstâncias, baixezas e vilanias inomináveis ficam e ficarão impunes, pelo fato de não violarem qualquer lei. Vemos portanto a insuficiência da lei em extensão e em validade: uma ação que acarreta grave prejuízo a outrem não pode, embora comedida com premeditação e após madura reflexão, ser entendida como tal, segundo as normas inscritas no Código Penal. Toda gente sabe que foi cometido um delito, no próprio sentido do Código, e esse ato, entretanto, não é punível. (p.156)

As normas da Lógica também geram o Caso, desde a Antiguidade. É o Caso que realiza o sofisma trágico chamado do crocodilo.

CASO III

Tendo um crocodilo arrebatado uma criança, promete devolvê-la à mãe se esta lhe disser verdadeiramente o que ele pretende fazer. A mãe diz: Tu não me entregarás o meu filho. E o crocodilo responde: “Não terás a criança em qualquer dos casos, ou por causa das tuas palavras, se falaste verdade, ou por causa do seu acordo, se mentiste.” E a mulher replica: “Devo ter de volta o meu filho em ambos os casos: ou por causa do nosso acordo, se falei verdade, ou por causa das minhas palavras, se me enganei”. (p.162)


Caso é um objeto suscetível de ser avaliado e julgado segundo normas; nesta disposição mental. divergencia e dispersão das normas, compromisso com real. Em termos práticos, em virtude dos aditamentos que lhe aumentam a força do impacto, o nosso Caso já se avizinha bastante de uma forma artística a que chamamos Novela, a qual mostra o acontecimento impressionante em sua unicidade, mas per se e sem querer fazer dele um caso. (p. 153)





Formas Simples: legenda, saga, mito, advinha, ditado, caso, memorável, conto e chiste. André Jolles, Editora Cultrix, SP. 1976.



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