terça-feira, 18 de julho de 2017

O estrangeiro, de Albert Camus



Albert Camus (1913-1960) é um escritor francês, nascido na Argélia, no período em que ela era uma colônia da França. Filho de uma família de operários, perdeu o pai durante a Primeira Guerra Mundial, em 1914. Sua precária condição de vida e a morte prematura de seu pai foram ingredientes importantes para Camus engajar-se no Partido Comunista Francês (1934-1935). Durante esse tempo, travou íntima amizade com Jean-Paul-Sartre, um dos principais representantes do Existencialismo francês. No entanto, rompeu esse vínculo ao deixar de acreditar na necessidade de engajamento do existencialista, abandonando inclusive o partido, para seguir o viés mais radical dessa ideia, pautada pela teoria do absurdo, o Absurdismo.

O estrangeiro, romance de Albert Camus, tem como narrador-protagonista Meursault, um funcionário de escritório que assassina um árabe e é julgado por esse ato. A ação desenrola-se na Argélia na época em que ainda era colônia francesa, país onde Camus viveu grande parte da sua vida.

A narrativa começa com o recebimento de um telegrama por Mersault, o protagonista, comunicando o falecimento de sua mãe, que seria enterrada no dia seguinte. Ele viaja então ao asilo onde ela morava e comparece à cerimônia fúnebre, sem, no entanto, expressar quaisquer emoções, não sendo praticamente afetado pelo acontecimento. O romance prossegue, documentando os acontecimentos seguintes na vida de Meursault que forma uma amizade com um dos seus vizinhos, Raymond Sintès, um conhecido cafetão. Ele ajuda Raymond a se livrar de uma de suas amantes árabes. Mais tarde, os dois se confrontam com o irmão da mulher ("o árabe") em uma praia e Raymond sai ferido depois de uma briga com facas. No ponto-chave dessa obra Meursault volta à praia e mata o árabe, sem qualquer premeditação e totalmente movido por um impulso; na verdade, por causa de um delírio induzido pelo calor e pela luz forte do sol, atira uma vez no árabe causando sua morte e depois dá mais quatro tiros no corpo já morto. Diante do tribunal, após várias hipóteses e tramas construídas pela imprensa e pela promotoria para o caso. 

Durante o julgamento a acusação se concentra no fato de Meursault não conseguir ou não ter vontade de chorar no funeral da sua mãe. O homicídio do árabe é aparentemente menos importante do que o fato de Meursault ser ou não capaz de sentir remorsos; o argumento é que, se Meursault é incapaz de sentir remorsos, deve ser considerado um misantropo perigoso e consequentemente executado para prevenir que repita os seus crimes, tornando-o também num exemplo.

Quando o romance chega ao final, Meursault encontra o capelão da prisão e fica irritado com sua insistência para que ele se volte a Deus. A história chega ao fim com Meursault reconhecendo a indiferença do universo em relação à humanidade.





TRECHOS


“Afinal existia uma ridícula desproporção entre o julgamento que a fundamentara e o seu imperturbável desenrolar a partir do instante em que este julgamento fora pronunciado. O fato de a sentença ter sido lida não às cinco da tarde, mas às oito horas da noite, o fato de que poderia ter sido outra, completamente diferente, de que fora determinada por homens que trocam de roupa e que fora dada em nome de uma noção tão imprecisas quanto o povo francês (ou alemão ou chinês), tudo isto me parecia tirar muito da seriedade desta decisão. Era obrigado a reconhecer, no entanto, que a partir do instante em que fora tomada os seus efeitos se tornavam tão certos, tão sérios...”

(...)

"Sentia-me agora outra vez calmo. Estava estafado e deixei-me cair sobre a cama. Julgo que dormi, pois acordei com estrelas por sobre a minha cabeça. Subiam até mim ruídos do campo. Cheiros da noite da terra e do sol refrescavam-me as fontes. A paz maravilhosa deste verão adormecido entrava em mim como uma maré. Neste momento, e no limite da noite, soaram apitos. Anunciavam possivelmente partidas para um mundo que me era para sempre indiferente. Pela primeira vez, há muito tempo, pensei na minha mãe. Julguei ter compreendido porque é que, no fim de uma vida, arranjara um "noivo", porque é que fingira recomeçar. Também lá, em redor desse asilo onde as vidas se apagavam, a noite era como uma treva melancólica. Tão perto da morte, a minha mãe deve ter-se sentido libertada e pronta a tudo reviver. Ninguém, ninguém tinha o direito de chorar sobre ela. Também eu me sinto pronto a tudo reviver. Como se esta grande cólera me tivesse limpo do mal, esvaziado da esperança, diante desta noite carregada de sinais e de estrelas, eu abria-me pela primeira vez à terna indiferença do mundo. Por o sentir tão parecido comigo, tão fraternal, senti que fora feliz e que ainda o era. Para que tudo ficasse consumado, para que me sentisse menos só, faltava-me desejar que houvesse muito público no dia da minha execução e que os espectadores me recebessem com gritos de ódio."


O estrangeiro em PDF.


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